Mecanismo Único de Resolução<br>é arte do embuste
O projecto da União Bancário é constituído por três pilares: o mecanismo único de supervisão, o mecanismo único de resolução e o sistema de garantia dos depósitos. Surge na sequência da crise financeira 2007, com este designo apelativo de controlar os bancos e evitar que, na próxima crise, sejam os contribuintes europeus a ter que pagar a factura.
Os dois primeiros encontram-se já em plena funcionamento ao contrário do terceiro, que conta com a oposição do governo alemão. É aliás significativo que seja este terceiro pilar, na prática, o único, voltado directamente para o interesse dos depositantes, a marcar passo.1 Quanto à supervisão, não faltam exemplos que provam à saciedade a sua completa inoperância.
O Mecanismo Único de Resolução (MUR), que entrou em pleno funcionamento no início do ano, impõe um modelo único de resolução bancária articulado em torno de um Comité Único de Resolução (CUR) e de um Fundo Único de Resolução (FUR). Assim, se um banco entra em falência, pretende-se substituir a lógica de bail-out que prevaleceu até aqui (capitais de fora, normalmente públicos recapitalizam o banco), pelo bail-in (são os próprios accionistas e credores do banco a pagar os prejuízos). O Fundo Único de Resolução constituído a partir das contribuições dos bancos começa a ser criado em Janeiro de 2016 e pretende-se que esteja plenamente constituído em 2024 com um valor de 55 mil milhões de euros, correspondente a cerca de 1% dos depósitos cobertos.
Em toda a propaganda destinada a vender este fantástico pacote da União Bancária, usa-se até à exaustão esta ideia de que os contribuintes deixarão de pagar as operações de salvamento do sistema financeiro. Mas os documentos legislativos são bem menos contundentes optando por formulações bem mais vagas e menos vinculativas do tipo «um regime de resolução eficaz deverá minimizar os custos a suportar pelos contribuintes».
E percebe-se porquê. O mecanismo único de resolução pretende que as perdas sejam suportadas em primeiro lugar pelos accionistas e outros credores do banco com destaque para os detentores de obrigações convertíveis ou subordinadas. Os depósitos superiores a 100 mil euros podem igualmente ser chamados a contribuir. O fundo único de resolução entra em acção apenas depois das perdas suportadas pelos accionistas e outros credores atingirem o nível de 8% do activo. Mas o contributo do fundo de resolução não pode ir para além dos 5% do activo. Finalmente, e tal como faz questão de sublinhar o regulamento, nada impede os governos de ir para além destes limites no que toca à recapitalização dos bancos.
Ou seja, cria-se um fundo de resolução de 55 mil milhões de euros que corresponde apenas a cerca de 3,5% dos fundos que foram usados para resolver a última crise financeira e limita-se o tecto da ajuda a 5% do balanço, tornando o fundo ineficaz tal como iremos ver no caso Banif.2
O caso do BANIF
O Banif era o sétimo maior grupo bancário português, apresentando à data de Junho de 2015, um balanço de 12 788 milhões de euros (cerca de 7% do PIB português). Registe-se que, em Setembro de 2015, o Banif apresentava rácios de solvabilidade bem acima do mínimo legal exigível pelo mecanismo único de supervisão.
Quanto ao processo de resolução e admitindo como perdida a totalidade dos capitais próprios bem como do capital contingente à data do último balanço conhecido (Setembro 2015), isto resulta em perdas no valor de 1070 milhões de euros. Ou seja, o valor das perdas suportados por accionistas e detentores de obrigações contingente representou 8% do activo total. Quanto aos fundos públicos do Estado, a operação de resolução envolveu um montante total de 2255 milhões de euros, isto é, cerca de 17,6% do ativo total do banco, e portanto bem acima dos 5% previstos como limite máximo permitido pelo mecanismo único de resolução.3
Está criado um sistema de resolução que não toca no problema de fundo que reside na estrutura do sector financeiro. Sem a separação entre a banca de retalho e os bancos de investimento e sem o controlo público do sector financeiro, pese embora toda a regulação que possa haver, os governos continuarão a ser chamados a cobrir os prejuízos do sistema financeiro aquando do rebentamento da próxima bolha especulativa. E como fica claro com contas simples, este mecanismo único de resolução apenas se destina a criar um mero paliativo que não tem outro propósito senão criar a ilusão de que alguma coisa está a ser feita para que tudo permaneça na mesma.
1 O Sistema de garantia dos depósitos visa criar um esquema mutual à escala europeia destinado a garantir os depósitos até 100 mil euros. Desta forma, a garantia sai reforçada porque não depende da capacidade solvente do Estado nacional do depositante. Ou seja, retira-se soberania monetária aos estados nacionais abrindo caminho ao aprofundamento da centralização e concentração financeira.
3 Não são contabilizados neste exercícios os 1100 milhões de euros de fundos públicos injectados no banco em 2013, 700 milhões sob a forma de ações especiais e 400 milhões de euros em instrumentos híbridos.